segunda-feira, 15 de outubro de 2012

O Aramin


Quem conviveu alguns anos com o Marcus sabe que uma das marcas da personalidade dele era a capacidade de alimentar admirações secretas por pessoas. Ele trazia alguns segredos no peito.

Nunca falava abertamente, porém, algumas pessoas ele realmente admirava de maneira quase que icônica.

Uma dessas pessoas era o Aramin. Um menino que o Marcus conheceu na infância, na cidade de Santo Ângelo e fez parte do imaginário dele por toda a vida.

Pelo que lembro, puxando pela memória, o Aramin regulava de idade com o Marcus e morava no mesmo bairro, naquela cidade de terra vermelha, no início dos anos 70.

Ele era de uma família pobre, de tal maneira, que o Marcus ficou impressionado com a simplicidade em que viviam. Lembro que a Lena também comentou algumas vezes de coisas que eles viram e viveram no convívio com aquela família.

Especialmente, na minha memória de criança, ficou registrado que, por vezes, a família toda só possuía feijão para comer e que as roupas, bastante lavadas, eram poucas e simples. Lembro de que também não havia calçados e que, na época, como a casa em que morávamos era alugada na cidade, a sensação era a de que tínhamos demais, diante de tão pouco.

O Marcus memorizou algumas frases e algumas “saídas” do Aramin e passou a vida toda (mesmo) recitando, aqui e ali, aquela sabedoria de criança e de seu sofrimento infantil.

Ele guardava em si o sonho de voltar lá e buscar o Aramin, que havia muitas vezes manifestado o desejo de vir morar conosco e de sair de lá. Lembro até de uns comentários da Lena sobre a mãe dele até ter tido a vontade de “dá-lo” para a gente, para vir embora para Porto Alegre.

Passados 30 anos, lá por 2005 ou 2006, em uma conversa com o Marcus, lembro que perguntei pelo Aramin, já que a internet e as redes nos fazem achar (quase) todo mundo.

O Marcus ficou pensativo e disse que, depois de muitos anos passados, havia voltado até Santo Ângelo, com o endereço de memória (e que memória!) e procurou até encontrar a casa da família.

Sem surpresa, encontrou a família e localizou o Aramin, amigo querido de seu imaginário de infância.

Todavia, pelo que ele me passou, o carinho e a admiração que ele guardou por tantos anos – como aconteceu muitas vezes com o Marcus – não foi entendido do lado de lá.

Assim, por forças conjunturais da sociedade e da desigual luta de classes, o menino pobre que ele havia conhecido, tornou-se um jovem remediado, que virou homem ressentido de tantas privações. Esse homem não entendia o porquê daquele contato de um homem”rico”, a não ser que pudesse auferir alguma coisa.

O Marcus, bastante decepcionado, não demonstrou ao antigo menino o que o seu coração guardava e, pelo que ele deu a entender, nunca mais procurou o seu melhor amigo.







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