segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Conhecendo a Argentina e para além das fronteiras do Brasil



Nos primeiros dias, a curiosidade de criança foi maior do que qualquer outro sentimento e a fala daquele homem estranho não foi nenhum impedimento.
Quer dizer, não foi para a gente, porque a gente perguntava a toda hora o que é que ele estava dizendo para podermos entender aquele falar enrolado. Acostumados com as séries dubladas da televisão brasileira, a língua espanhola nos era totalmente estranha.

Estranha e fascinante.

Ele falava coisas sobre uma montanha linda e branca, cheia de neve, que ele subira com amigos e que exigia muito esforço e treinamento para chegar lá. Tratava-se de um tal de Pico do Monte Aconcágua, no meio de uma tal de Cordilheira dos Andes, lá naquela tal de Argentina.
O Marcus ouvia fascinado cada detalhe da aquela aventura e, ainda por cima contada por alguém que esteve lá. O Egídio contava empolgado sobre o ar rarefeito e gelado das alturas da Cordilheira dos Andes. Falava e demonstrava com as roupas mais grossas para frio que jamais havíamos visto antes. Falou sobre expedições de alpinistas e acampamentos em barracas especiais nos topos de neve eterna do Oeste do país.

Ele trazia a geografia no peito e dividia com a gente, cada detalhe empolgante, cada vivência daquele que, segundo ele, era o pico mais alto da América do Sul e a maior montanha fora da Ásia. O Marcus foi presenteado com um incrível cuecão de alpinista que era melhor do que qualquer pijama que se usasse por baixo da calça para esquentar no inverno! E, também, com uma camiseta de mangas longas branca que aquecia de verdade e transformava meu irmão de oito anos em um grande explorador das montanhas do mundo. (Aliás, tenho certeza de que essas roupas estão guardadas nas coisas pessoais do Marcus até hoje)

Pessoalmente, com cinco anos de idade, achei muito legal enfrentar a neve, já que era permitido – e recomendável – que se tivesse várias barras de chocolate na bagagem e nos bolsos. Qualquer aventura que tivesse chocolate liberado – sem ser no dia do aniversário – afinal, não podia ser tão ruim assim, na minha opinião.

Nos dias de hoje, qualquer piá sairia de fininho para acessar o Google, a página da Wikipédia ou qualquer outro saite de busca, podendo, em segundos, ilustrar a sua curiosidade com fotos, as mais interessantes.

Não era o nosso caso. Nosso único conhecimento daquela coisa sobre a qual ele falava era o próprio relato da coisa, com seus detalhes e com suas fotos e mapas, seus desenhos e cicatrizes.

Então, subitamente, mais do que o cientista, pai do Johnny Quest do desenho da TV, e mais do que o Jacques Costeau, que estava sempre no fundo do mar, o Egídio passou a ser a pessoa mais letrada com quem já tivéramos contato na vida. Tornou-se nosso cientista e consultor e nos acostumamos a levar para ele as nossas histórias e dúvidas no final do dia, para saber qual seria a sua opinião sobre todas as coisas.

O Marcus, especialmente, entrou de cabeça nesta história. Passava horas e horas conversando com o Egídio, fazendo perguntas, ouvindo essas histórias sobre o mundo, sobre uma tal de política, um dito regime militar e uma malvada de uma ditadura que, segundo ele, tinha expulsado ele de casa. “E a tua mãe?” A gente perguntava. “Como assim, teu pai morreu?” e outras coisas parecidas que ele respondia – sempre, sempre com muita paciência com os piás Marcus e Cristina.


Continua na próxima postagem.
Fonte da foto: Aconcagua

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