quinta-feira, 23 de junho de 2011

Feliz Aniversário, Marcus!


Se estivesse ainda como nós, aqui na Terra, o Marcus, neste 23 de junho de 2011, completaria 47 anos de idade. E, nestes dias de chuva e de calor abafado, fora de época, já teria arranjado algum lugar para pescar, reavivar as ideias e descansar a cabeça, sempre cheia de pensamentos e de planos.
Por isso, hoje, em homenagem a esse homem menino que nem sempre foi compreendido por quem o rodeava, fica essa foto com esse sorriso maroto de quem fisgou o maior peixe de todos, provavelmente o mais difícil.

Parabéns, Marcus. Muitas felicidades. Que Jesus te abençoe, hoje e sempre, onde quer que estejas, com certeza na companhia de espíritos de muita luz.
Nós, aqui da Terra, continuaremos a te amar, sempre, com carinho e com o tempero da saudade, que aumenta a cada dia.
Paz e luz, amigo, um dia daremos pessoalmente o abraço que tanto mereces, sentiremos o cheiro do teu perfume de perto enquanto ouviremos o teu riso pela nossa chegada.

Junho - 2011

quinta-feira, 16 de junho de 2011

O preço da bicicleta

Marcus e a bicicleta

Todo mundo que conviveu com o Marcus sabe que ele torcia pelo Grêmio. Sim, como está descrito no perfil, ele era Gremista, e fanático.
Sem precisar ir a jogos ou andar fardado, mas, acima de tudo, ele não gostava do Inter. Não do “Internacional”, e sim do Colorado e de colorados. Isso mais do que tudo.
Por essa razão, fica difícil a todos os amigos e amigas imaginarem que ele um dia foi colorado. Foi convencido e praticou essa arte durante algum tempo. Abanou bandeira, foi ao Beira-Rio e tomou refresco colorido vendido no campo em garrafinha de plástico (dessa eu sou testemunha ocular).

A história do “lado colorado do Marcus” é simples e fez parte da formação da personalidade dele.
Tudo começou quando ele, e a irmã, eram pequenos, e por influência do pai.
Até agora já contamos (neste blog) que o Mário Feio, movido pela paixão e por algo mais, se tocou de lá de Fortaleza para conhecer a Lena e que o resto de suas vidas passaram aqui no Sul.
Em consequencia desse gesto e das condições em que vivíamos, jamais tivemos contato com a família (ou com a história) do nosso pai., salvo raríssimas exceções, de uma visita nossa lá e de umas visitas de uns tios aqui e acolá.

E, como não poderia deixar de ser, o Marcus nasceu e cresceu um Feio de Lemos entre Pinheiros e se tornou mais Pinheiro do que ele próprio imaginava. Por essa e por outras razões, era torcedor gremista como a maior parte dos homens da família, embora o culto ao futebol fosse bem menor na época da infância dele.
Cabe lembrar que essa nossa história se passa no início da década de 70 e que foram anos duros para o Grêmio Foot-Ball Portoalegrense. O Inter, ou melhor, o Colorado ganhava todas, ano após ano. Se essas vitórias, uma trás da outra, especialmente sobre o Grêmio, eram uma desolação para qualquer gremista, também fez crescer uma legião de colorados e de novos colorados. Foi assim que o Mário Feio, Pai do Marcus, veio para o RS e se tornou torcedor do Colorado. Foi assim, também, que ele veio com toda a sorte de propostas e ofertas para que os filhos se tornassem colorados também.
Com a irmã não foi nada difícil, já nasceu colorada e nem sabia a diferença, na verdade (pobrezinha).
Teve até uma vez em que ela esteve frente a frente com o Figueroa e – epa essa é outra história...

Voltando a vaca fria... o pai do Marcus – e o Inter, com as suas vitórias - vinham fechando o cerco em torno da ideia de virar colorado (isso é possível??? hehehe, brincadeirinha). Até que o Marcus, acho que ali pelos 6 ou 7 anos, quis uma bicicleta.
A vida naqueles tempos não era muito fácil e as bicicletas eram presentes bastante especiais. Dignos de serem ofertadas em datas mais especiais ainda, como nos dias do Natal ou do aniversário. E custava caro. Mesmo.
Para uma criança dos anos 70, no Brasil, ganhar presentes era raro e a gente tinha de passar por algumas coisas como a fase um: pedir o presente, fase dois: convencer os pais da necessidade do presente ser aquele mesmo (ainda mais tão caro como esse) e pela incrível fase três: esperar, esperar e esperar (quase) uma eternidade até chegar essa data em que fosse possível ganhar o presente.
Como vocês já adivinharam, num dado momento, o pai do Marcus acabou aceitando dar a ele a bicicleta que ele tanto sonhava. Só que, em troca, o Marcus teria de ficar colorado, só que a parte de ficar colorado vinha imediatamente.
O novo colorado tinha de provar que o coração tinha ficado vermelho para então mostrar ao pai que fazia jus ao presente que lhe fora prometido.

O Marcus, por fim, viveu a sua fase de torcedor colorado. Vestiu camiseta e comemorou os gols. Juntos visitamos o Beira-Rio para uma partida do Inter contra não-sei-quem, num distante domingo dos primeiros anos daquela era vermelha.
Convencido, e feliz, o Mário Feio atendeu ao pedido, isto é, deu a bicicleta ao filho. O Marcus ganhou de presente a sua Monark, ou melhor, uma Monaretta “dobramatic” vermelha.
Pelo sorriso na foto, dá para perceber que é sobre essa bicicleta dos sonhos que ele está apoiando o braço.
O final da história é mais simples do que o começo: realizado com o presente e sem precisar mais agradar o pai para atingir o objetivo, o Marcus deixou de ser colorado e voltou a ser gremista, de imediato, sem nenhum peso na consciência pelo artifício.
Dali a alguns anos, conseguiu até mesmo ajuda para pintar a bicicleta e colocou, de uma vez por todas, bem longe de si a cor vermelha. Para sempre.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Primos Pinheiro e Feio de Lemos na casa da Vó Ecilda - provavelmente 1974

Tarde de domingo na casa da vó, reunião de família até com primos de Caxias do Sul

Em Caxias do Sul o Início da Linhagem dos Pinheiro

Dona Ecilda e os primeiros filhos, com a Mãe, Saturnina Flores


A foto em preto e branco mostra um singelo momento da jovem mãe com os primeiros filhos. Chegaram  a um total de nove, seis homens e três mulheres.  Natural da terra mais fria do Brasil, São Joaquim, em Santa Catarina, a Dona Ecilda veio morar em Caxias do Sul ainda nova.
Certa vez me contaram que conheceu e ficou amiga de uma moça no colégio de freiras, no qual estudou os primeiros anos do primário. A Vó tinha muito boas lembranças destes anos de estudo e muita saudade das experiências daquela época. Tinha grande vocação para estudar e seguir alguma outra carreira, no campo da intelectualidade ou da pintura, talvez. Aliás, lembro de um belo quadro pintado por ela que jazia pendurado na parede, lá no IAPI. Uma vez perguntei a ela de quem era a pintura e ela respondeu, sem me dar muitos detalhes, que tinha pintado no colégio. Mas, até para uma pequena guria curiosa como eu era, deu para perceber a melancolia na resposta e o olhar que se demorou só alguns segundos olhando para aquela paisagem, mostrava um quê de tristeza silenciosa.
Mas, voltando à história das nossas vidas, a moça que a Vó conheceu (eu sempre ouvi chamarem de "Tia Rola"), como quis o destino, era irmã do (então jogador de futebol do Esporte Clube Juventude) Joventino. Apesar de o fato de ser jogador não ser nada glamouroso como nos tempos atuais, sabia-se que era um jovem solteiro e bonito.
Do romance entre o Joventino e a Ecilda, infelizmente, sei muito pouco. Sei apenas que a Tia Rola acabou promovendo a curiosidade entre os dois para que se conhecessem, o que segundo me contaram, foi muito dificultado pela extrema timidez do Vô Tinto. Certa ocasião, inclusive, ele ficou sabendo que ela estava entrando na casa deles para visitar a irmã e (possivelmente) para conhecê-lo. Tomado pelo nervosismo e, sem poder conter o pânico, ele pulou a janela do quarto, saiu pelo pátio e fugiu para a rua, apenas para evitar o encontro...
Não sei quanto tempo isto durou, embora quase possa ouvir a risada da Tia Rola por causa disso. O fato é que aqueles dois jovens acabaram se conhecendo e que a Ecilda foi o grande amor do Vô Joventino. Venceu a timidez e casou com aquela moça “muito bonita”, como ele dizia.
Na foto, em Caxias do Sul, em que  nasceram os primeiros filhos da Dona Ecilda , ainda muito jovem, no início dos anos 40, com a pequena Sônia Maria nos braços. Em pé, da direita para a esquerda, estão o filho mais velho Raul e o Saul Pinheiro. Em pé, muito séria como sempre vimos na infância, a Saturnina Flores, mãe da Ecilda, a Vó Saturna.
Sobre a Bisavó do Marcus, Saturnina, há algumas históris curiosas e muito peculiares que vamos contar também por aqui, com a ajuda daqueles que conviveram com ela.

sábado, 4 de junho de 2011

As vitrines das Lojas Renner do Passo D'areia


Para quem viveu a década de 70 na Zona Norte de Porto Alegre, havia uma atração diferente. Algo inacreditável para os dias de hoje, em que há acesso ilimitado às imagens coloridas, vindas de qualquer parte do mundo, todas ao alcance de um clic de mouse.
Aliás, nunca é demais salientar: havia muito menos oferta de desenhos animados, de programas de televisão, de filmes no cinema e, sobretudo, menos apelo de propaganda.
Eram as vitrines das Lojas Renner, localizada no Passo D'Areia, um atrativo que podia ser visto de graça, durante todos os dias do ano.
Sempre modificadas na chegada de cada estação do ano e, principalmente, antes das principais datas comemorativas, como o Dia da Criança, Natal, Dia das Mães, Páscoa e outras datas que, desde cedo, o comércio usa para marcar a cabeça das crianças.
As vitrines das Lojas Renner do Passo D'Areia, naquela época, eram uma profusão de cores e de efeitos que ninguém deixava de notar, de observar atentamente.

Havia grandes e largas vitrines, que iam de uma quadra a outra. Eram tão bonitas que não chamavam a atenção apenas das crianças. Os adultos – em especial as adultas, como a Lena e a Vera, mãe e tia do Marcus, quando o assunto estava bom, saiam à noite para caminhar ao redor da quadra e para ver de perto tantas cores e, não raro, bonecos em movimento em cenários coloridos.

As vitrines eram a principal atração daquele fim de curva da Assis Brasil, ali, na sequencia da rua, para quem vinha do Esporte Clube São José (Zequinha).
A Loja Renner era imensa naquela época, vendiam desde móveis e eletrodomésticos até roupas e brinquedos, ocupava vários andares.
As vitrines começavam nas laterais do prédio da loja, vinham desde as janelas ovais nas laterais da Rua Santa Catarina e da Rua Piauí, até os largos painéis de vidro em toda a parte da frente da quadra que ocupava o estabelecimento, com frente para a Assis Brasil.

Ali, havia um outro detalhe, inesquecível aos nosso olhos de criança: a loja possuía uma grande entrada na frente e mais à direita, uma entrada menor, entre as duas, na parte da frente da loja, as vitrines formavam um túnel, proporcionante um caminho de cores, de luzes e de brilho, que a gente nunca cansava de passar.

As luzes permaneciam acesas durante toda a noite e tornavam-se um atrativo especial, que podiam ser vistas de longe, mesmo das janelas das casas da “meia-lua”, que era o nome pelo qual chamávamos aquela praça em forma de meia-lua que fica defronte a loja e onde ficava a casa da D.Ecilda.


Essas imagens incríveis marcaram a infância de todos e acredito que não haja um dos primos, netos e netas da D. Ecilda e do Seu Joventino, que não possua a sua foto posando diante das vitrines das Lojas Renner do Passo D'areia. Essa na foto é a Cristina, fazendo a pose. O Marcus possui as dele, a Rose também. Acredito que até os primos de Caxias do Sul, tenham as suas.

Na segunda foto, a visão atual do prédio da Loja da Renner, em que funciona depósito e administração da empresa. Essas é a vista da lateral, para quem vem da Rua Santa Catarina e foi fotografada com carinho e saudade pelo Juarez (http://juarezfotografia.blogspot.com), o melhor amigo do Marcus, parceiro de muitas experiências e aventuras, e de quem, certamente, ainda vamos falar muito neste blog.

A maninha demorou a crescer

Cristina, em frente a casa da D. Ecilda, IAPI

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Insubmisso






Existe um detalhe muito bonito e romântico, que tive notícia aconteceu na vida dos nossos avós, Joventino e Ecilda. Era o início do século XX, muitos eventos acontecendo em todo o mundo e no Brasil não era diferente.
Se os brasileiros dos dias atuais conhecem pouco de seus direitos e de seus deveres, imaginem o que sabiam os das três primeiras décadas do século passado.
Dito isto, voltamos de novo no tempo e lembramos que o Vô Joventino e a Vó Ecilda se conheceram pelas mãos da Tia Rola e que acabaram se apaixonando e casando, lá em Caxias do Sul, nos anos 30.
Da história me faltam alguns detalhes, os quais prometo buscar mais a fundo com aqueles que souberem um pouco mais e prometo contar aqui, logo que possível.

Bem, se não há muito o que contar a respeito da "casca", passemos então ao "miolo", que é o que me trouxe até aqui: o Joventino, Vô Tinto, não era mais do que um guri quando se casou com a bonita mulher por quem se apaixonou.
Convém lembrar que o Exército Brasileiro era diferente e regido por regras que hoje pareceriam um tanto absurdas. Convém lembrar, também, que não era do conhecimento do Joventino que, aos dezoito anos de idade, deveria se apresentar a um posto do Exército e se alistar para o serviço militar obrigatório. Não sabia e nem nunca lhe foi dito.
Logo nos primeiro anos de vida em comum, os filhos foram chegando: o Raul, o Saul, a Sônia Maria... A Dona Ecilda trabalhava de sol a sol para prover a educação, a limpeza e o alimento de toda a trupe e o Seu Joventino batalhava com a armas que tinha, de homem da época, para o sustento da família.
Os anos, assim, se passaram e as coisas aconteceram de maneira bastante rápida: em um belo dia, o Jeep do exército encostou diante da casa dos Pinheiro e desceram uns homens uniformizados, trazendo nas mãos um papel que, segundo eles, mandava levarem consigo, preso, o Sr. Joventino "Zito" Pinheiro.
Apesar do pânico e do nervosismo da esposa e dos filhos, levaram preso o pai daquela família para que, segundo a lei, cumprisse a suas obrigações de brasileiro. Mesmo com filhos pequenos (e, se não me engano, com mais um a caminho), o Vô Tinto foi levado para o alistamento obrigatório, ou seja, foi preso e conduzido para servir ao Exército Brasileiro, na condição de "Insubmisso" por não ter se apresentado voluntariamente na idade devida.
Para agravar ainda mais a situação, foi prestar o seu serviço à pátria bem longe de casa.
Desse período doído e que deve ter sido extremamente sofrido a todos, há um registro muito bonito, que acompanha a família desde aquela época, uma verdadeira preciosidade: uma carta que o Joventino escreveu para a esposa Ecilda, enquanto estava no serviço militar.

O Vô Tinto e o Esporte Clube Juventude, de Caxias do Sul

O time do Juventude na década de 30. O segundo da fileira de trás, em pé e sem touca, é Joventino Zito Pinheiro, em Caxias do Sul
Esporte Clube Juventude foi a primeira experiência do Joventino no mundo





Da esquerda para a direita, o sexto homem, magro e retraído, Joventino Pinheiro, usando a touca que virou a sua marca registrada

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Natal de 1961 na casa da Dona Ecilda e do Seu Joventino

Joventino, D. Ecilda, Rose no colo e Raul. O fotógrafo provavelmente fosse o Saul.

Embalados pelas festividades de final de ano, o Natal na casa da Dona Ecilda reunia todos os filhos e filhas e, ainda, muitos amigos e amigas da família.
Os filhos e filhas que entravam na juventude já saíam para trabalhar e ajudar nas despesas da casa. Na foto, o Raul Pinheiro, o mais velho, que depois viria a se transferir para Caxias do Sul, ao lado da Dona Ecilda e do Seu Joventino.
A criança era a Rosemary, vestindo um vestido de festa, presenteado pela madrinha Maria Helena, apreciava, sem os sapatos, o carinho do colo da avó e a boneca nova que ganhou de Natal.
Ainda há mais um rosto no canto da direita, que pode ser da Lena, do Renato ou da Vera Regina Pinheiro, irmãos menores.
O fotógrafo desse e de muitos outros momentos na família, provavelmente fosse o Saul Pinheiro, o primeiro de todos a se familiarizar com a máquina fotográfica e que captou diversos eventos destas nossas histórias.

O maninho que a Lena trouxe não era igual ao irmão do Gilson... ou, O nascimento da irmã do Marcus

Com uma semana de vida, Cristina, irmã do Marcus, com a cicatriz do parto no rosto.

Chovia muito em Porto Alegre. A tempestade já durava o dia todo e a noite caía junto com as gotas daquela chuva. Da janela do hospital Getúlio Vargas, a Maria Helena olhava para a rua e pensava: “Será que esse nenê nasce hoje?”.
Ela já estava lá desde domingo, dia 24 e já era terça, 26 de março de 1968. Ela nunca tinha gostado muito de hospitais e, afinal de contas, o filho estava em casa, sozinho, apenas com o pai, e ela não não confiava muito nele para cuidar do Marcus por tanto tempo.
Naquela manhã, enquanto estava sozinha no quarto, ela sentiu um movimento na barriga. O nenê costumava se mexer, é claro. Todavia, aquele movimento era diferente dos anteriores. Ela sentiu que o nenê se movera de um lado para o outro. Ela sentiu e foi baixando os olhos assustada: era possível perceber que o nenê - e tudo o que o envolvia - estava do lado esquerdo, isto é, o lado direito da barriga acabava de ficar vazio. “Será que está tudo bem?” pensou.
Essa preocupação permaneceu o dia inteiro, assim como a chuva lá fora.
O trabalho de parto já durava algumas horas e a dor também, embora ela não tivesse se queixado às enfermeiras.
Quando o céu escureceu por completo, a dor se espalhou e quase a deixou inconsciente.
No fundo, a Lena sentia que a maior dor seria sofrer tudo aquilo de novo, como havia sofrido para ter o primeiro filho.
De repente percebeu que estava em movimento, uma voz de mulher dizia para ela que estavam indo para uma sala, no bloco cirúrgico, que ficava em um outro andar. Entraram no elevador a maca com a Lena em trabalho de parto e mais duas pessoas.

Neste momento, a escuridão que estava lá fora invadiu o prédio todo. Havia faltado luz no bairro, na rua, em tudo, inclusive no Hospital Getúlio Vargas e o elevador parou, ali mesmo, entre dois andares.
Havia ainda um outro problema que a Lena só ficaria sabendo depois: todo o andar da maternidade estava interditado para uso, devido a uma dedetização. A paciente estava sendo levada a um outro andar.
As rádios de Porto Alegre deram a notícia: parturiente presa no elevador por falta de luz no bairro Independência e pediam à empresa que retornasse a energia para poderem tirá-la de lá.
Enquanto a luz não retornava, as providências vinham sendo tomadas. Naquele meio andar, a porta foi forçada e ela carregada por muitas mãos e braços - entre eles os do marido - para uma outra maca, até chegar na sala em que aconteceria, finalmente, o parto.
Logo na entrada, ela viu o rosto que a deixou mais calma: o do doutor Davi Gerschmann. O doutor Davi era médico conhecido da família e já atendia os Pinheiro(s) de longa data.
A Lena então se acalmou e depositou toda sua esperança naquele homem.

A dor era lancinante e as contrações do parto iam e vinham, não havia mais o que fazer, o negócio era esperar até a criança nascer.
A dilatação era suficiente, porém, algo não permitia que a criança enfim chegasse.
Mais um imprevisto estava por acontecer: na sala improvisada, a mesa em que estava a Maria Helena, não resistiu e se desmontou.
Naqueles poucos milésimos de segundo, a cabeça do nenê ficou muito próxima do chão. A queda daquela altura e o choque dos quadris da Lena e da cabeça do nenê fatalmente tiraria a vida dos dois.
Distante dali, na casa da Sônia, o Marcus, sem saber que quase perdia a mãe e o futuro mano, brincava com a Rose, na sala do apartamento da Rua Morretes.

Como herói dessa história verdadeira, estava o reflexo salvador do médico, doutor Davi. Foi ele quem percebeu que a mesa desmontara e ele quem colocou o braço sob a maca, segurando firmemente o peso da Lena até que fossem socorridos.
Restituída a calma a todos os presentes, a Lena retomou a consciência de que algo estava por acontecer.
Foi então que, após muito esforço, fizeram uso do fórceps. A cabeça do nenê foi encaixada entre os dois lados daquele instrumento “bico de pato” e os movimentos de meia rotação tiveram início. Tentaram por mais de 45 minutos, indiferentes às dores da Maria Helena que acompanhava aquela agitação ao seu redor, obviamente sem anestesia.
E a experiência do médico novamente teve papel determinante. Ele sugeriu que o movimento de rotação se iniciasse para o outro lado. Foi assim que, em vez de forçar o giro com o fórceps até o movimento ser bloqueado, a rotação permitiu que o corpo da criança se alinhasse e a cabeça e os ombros do nenê pudessem sair daquela incômoda posição.
O relógio marcava oito horas e quarenta e cinco minutos da noite de 26 de março e no colo da Lena foi colocada uma criança, viva, saudável, com uma cicatriz do fórceps no lado direito do rosto, como uma queimadura.
Antes de pegar no sono de tanto cansaço, a Lena pôde perceber que havia dado a luz a uma menina.