quinta-feira, 2 de junho de 2011

O maninho que a Lena trouxe não era igual ao irmão do Gilson... ou, O nascimento da irmã do Marcus

Com uma semana de vida, Cristina, irmã do Marcus, com a cicatriz do parto no rosto.

Chovia muito em Porto Alegre. A tempestade já durava o dia todo e a noite caía junto com as gotas daquela chuva. Da janela do hospital Getúlio Vargas, a Maria Helena olhava para a rua e pensava: “Será que esse nenê nasce hoje?”.
Ela já estava lá desde domingo, dia 24 e já era terça, 26 de março de 1968. Ela nunca tinha gostado muito de hospitais e, afinal de contas, o filho estava em casa, sozinho, apenas com o pai, e ela não não confiava muito nele para cuidar do Marcus por tanto tempo.
Naquela manhã, enquanto estava sozinha no quarto, ela sentiu um movimento na barriga. O nenê costumava se mexer, é claro. Todavia, aquele movimento era diferente dos anteriores. Ela sentiu que o nenê se movera de um lado para o outro. Ela sentiu e foi baixando os olhos assustada: era possível perceber que o nenê - e tudo o que o envolvia - estava do lado esquerdo, isto é, o lado direito da barriga acabava de ficar vazio. “Será que está tudo bem?” pensou.
Essa preocupação permaneceu o dia inteiro, assim como a chuva lá fora.
O trabalho de parto já durava algumas horas e a dor também, embora ela não tivesse se queixado às enfermeiras.
Quando o céu escureceu por completo, a dor se espalhou e quase a deixou inconsciente.
No fundo, a Lena sentia que a maior dor seria sofrer tudo aquilo de novo, como havia sofrido para ter o primeiro filho.
De repente percebeu que estava em movimento, uma voz de mulher dizia para ela que estavam indo para uma sala, no bloco cirúrgico, que ficava em um outro andar. Entraram no elevador a maca com a Lena em trabalho de parto e mais duas pessoas.

Neste momento, a escuridão que estava lá fora invadiu o prédio todo. Havia faltado luz no bairro, na rua, em tudo, inclusive no Hospital Getúlio Vargas e o elevador parou, ali mesmo, entre dois andares.
Havia ainda um outro problema que a Lena só ficaria sabendo depois: todo o andar da maternidade estava interditado para uso, devido a uma dedetização. A paciente estava sendo levada a um outro andar.
As rádios de Porto Alegre deram a notícia: parturiente presa no elevador por falta de luz no bairro Independência e pediam à empresa que retornasse a energia para poderem tirá-la de lá.
Enquanto a luz não retornava, as providências vinham sendo tomadas. Naquele meio andar, a porta foi forçada e ela carregada por muitas mãos e braços - entre eles os do marido - para uma outra maca, até chegar na sala em que aconteceria, finalmente, o parto.
Logo na entrada, ela viu o rosto que a deixou mais calma: o do doutor Davi Gerschmann. O doutor Davi era médico conhecido da família e já atendia os Pinheiro(s) de longa data.
A Lena então se acalmou e depositou toda sua esperança naquele homem.

A dor era lancinante e as contrações do parto iam e vinham, não havia mais o que fazer, o negócio era esperar até a criança nascer.
A dilatação era suficiente, porém, algo não permitia que a criança enfim chegasse.
Mais um imprevisto estava por acontecer: na sala improvisada, a mesa em que estava a Maria Helena, não resistiu e se desmontou.
Naqueles poucos milésimos de segundo, a cabeça do nenê ficou muito próxima do chão. A queda daquela altura e o choque dos quadris da Lena e da cabeça do nenê fatalmente tiraria a vida dos dois.
Distante dali, na casa da Sônia, o Marcus, sem saber que quase perdia a mãe e o futuro mano, brincava com a Rose, na sala do apartamento da Rua Morretes.

Como herói dessa história verdadeira, estava o reflexo salvador do médico, doutor Davi. Foi ele quem percebeu que a mesa desmontara e ele quem colocou o braço sob a maca, segurando firmemente o peso da Lena até que fossem socorridos.
Restituída a calma a todos os presentes, a Lena retomou a consciência de que algo estava por acontecer.
Foi então que, após muito esforço, fizeram uso do fórceps. A cabeça do nenê foi encaixada entre os dois lados daquele instrumento “bico de pato” e os movimentos de meia rotação tiveram início. Tentaram por mais de 45 minutos, indiferentes às dores da Maria Helena que acompanhava aquela agitação ao seu redor, obviamente sem anestesia.
E a experiência do médico novamente teve papel determinante. Ele sugeriu que o movimento de rotação se iniciasse para o outro lado. Foi assim que, em vez de forçar o giro com o fórceps até o movimento ser bloqueado, a rotação permitiu que o corpo da criança se alinhasse e a cabeça e os ombros do nenê pudessem sair daquela incômoda posição.
O relógio marcava oito horas e quarenta e cinco minutos da noite de 26 de março e no colo da Lena foi colocada uma criança, viva, saudável, com uma cicatriz do fórceps no lado direito do rosto, como uma queimadura.
Antes de pegar no sono de tanto cansaço, a Lena pôde perceber que havia dado a luz a uma menina.

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