sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Casamento de Joventino e Ecilda, ou do Tinto e da Cidoca


Na dedicatória do Joventino para a mãe, Vó Menta, datada de 18 de abril de 1934, uma terça-feira, casaram-se o Tinto e a Cidoca, em Caxias do Sul.
Essa foto ficava em destaque, na parede da casa da Vó, na Av. Assis Brasil, onde esteve pendurada durante toda a infância dos filhos e dos netos.

Certa vez, com toda a inocência possível de criança, lembro de ter perguntado à vó se, além do Vô e dela, que estavam na foto e eu reconhecia (apesar da passagem dos anos) o menino que aparecia abaixo dos dois seria o Tio Raul... Lembro que a Vó fechou a cara, me dirigiu um olhar muito severo e disse veementemente que não, sem me dar maiores explicações.
Logicamente, eu demorei muitos anos até entender o quão ofendida ela havia ficado por eu ter insinuado que o primeiro filho poderia ter vindo antes do casamento...

Verso da foto do casamento do Vô Tinto e Vó Ecilda, 1934

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Nasce o cachorro mais famoso da família Pinheiro: o BANZÉ


























Não esperem conhecer aqui apenas uma história de cachorro, pois o Banzé não era apenas um canino. Ele era o cachorro da Vó Ecilda, fazia parte da família Pinheiro e, após 1978, veio a fazer parte da família Feio de Lemos também.
Em fins de 1972, em Caxias do Sul, mais precisamente no porão da Rua Inocente de Carli, 1085, nascia um cachorro de pelo branquinho com duas manchas em forma de número oito no dorso e uma em um dos olhos. Tratava-se de mais uma das ninhadas da cadela (sem ofensa) Dorotéia e do Rusti, o casal de guaipecas do Tio Raul (Raul Pinheiro).

Os pais

A Téia era bem miúda e de cor preta, com “óculos” amarelos e rabo de toquinho. O Rusti era do Ricard (Ricardo Pinheiro) e deve ter ganho esse nome por causa do seriado Rim-Tim-Tim, cujo herói era um cachorro pastor alemão e pertencia a um guri chamado Rusty, umas das grandes paixões do Ricardo Pinheiro quando criança.
Lembro ter ouvido sempre dos adultos que as crias eram cruza de “ratoneiro” com um outro nome de raça, provavelmente uma não identificada. Mais tarde vim a saber que o “ratoneiro” não era nada mais, nada menos, do que o atual Dachsund, ou salsicha (linguicinha, etc.) como todo mundo chama hoje em dia.

As ninhadas na Casa da Tia Maria

Os cães da família eram todos importados da Serra Gaúcha. Nasciam e cresciam fortes, amamentados pela (Doro)Téia e embalados por todas as crianças presentes. A cada ninhada da cadelinha, corriam as crianças (Cláudia, Ricardo, Marcus e Cristina) para o porão a pegar os cachorrinhos no colo, sob vigilância da pequena mãezinha, que, mesmo com os olhos tristes, nunca sequer rosnou para nós. A gente passava o tempo que podia “socado”(na linguagem das mães) no porão, brincando com as crias. Dávamos nomes para cada um deles e tentávamos adivinhar como seriam quando crescessem.
Claro que essa alegria durava pouco, ou porque a Tia Maria (Maria Dirce Pinheiro) aparecia e nos convencia a largar cada uma daquelas coisinhas fofas, ou porque um dos tios surgia e – sem mais explicações – levava os filhotes para onde bem entendiam, à revelia da nossa vontade. Às vezes até abaixo de uma certa choradeira.
Aliás, um dos mais fortes argumentos que a Tia Maria utilizava para nos fazer largar os bichinhos era que eles não podiam ficar tanto tempo no colo. A causa? “Porque se não pesteia”. E se pestear, ela dizia, o bichinho morre. E quem das crianças queria que eles morressem???
Assim, convencidos e um pouco culpados, saíamos do porão daquela casa mágica, com um maravilhoso cheiro de cachorrinho novo e com algumas (nomeu caso, muitas)pulgas na roupa.

O Banzé



Em uma dessas ninhadas, veio o Banzé com seu rabo de toquinho, como a mãe, mas de cor diferente de todos os outros. Veio trazido em uma caixinha de sapato, no colo da Vera Regina, e, se bem me lembro, desceu a Serra na cabine de um dos caminhões da Rápido Girardi, direto para a Assis Brasil.
A Vó Ecilda criou o Banzé com bastante carinho e logo ele foi se adaptando à rotina da casa. Desde pequeno, era o companheiro dela. No início do dia, ele acordava na sala – o Banzé nunca dormiu na rua, como os demais cães que a família havia tido – e ficava sentado na porta do quarto da Vó e do Vô. Ali ele permanecia, de olhos fixos na Vó e no movimento repetido de suas mãos, que rezavam o terço a cada manhã. Ao final da última conta, ele corria feliz para receber o bom dia da Vó, que sempre vinha após a oração.

O Banzé foi o cachorro mais bem educado que já conheci. “Pedia” com um chorinho baixo para sair e fazer as necessidades na rua e batia com a pata na porta dos fundos para entrar de volta na casa. Inverno o verão, a rotina era essa.
Ah, não vou encerrar sem contar o banho, ensinado pela Vera com o ritual seguido à risca até a velhice do “Die do Banza” como ele foi apelidado. Ela chamava o cachorro para o banheiro (sim, o banheiro), abria a cortina do box e dizia: “Banho, Banzé”. Ele murchava as orelhas, se encolhia um pouco e andava até a muretinha. Ali ele dava uma paradinha, verificava se ninguém havia mudado de ideia e aí pulava para dentro do box. A Vera passava sabonete (de gente) nas mãos (ou xampu, ou o que tivesse por ali de mais cheiroso) e ensaboava o coitado do cachorro repetidas vezes. Na última, ela dirigia o jato do chuveirinho em todo o corpo dele e enxaguava bem, até que ele ficasse bem branquinho, todo pingando. Então ela se punha de pé, conversando com ele para que ele não se sacudisse violentamente, atirando água para todos os lados, da mesma forma que fazem todos os cachorros. Fechava a cortina do box, dizendo: “Agora pode, Banzé, agora deu”. Para a alegria da gente que adorava o banho do cachorro e ficava cuidando cada movimento, o Banzé se sacudia várias vezes, saía de lá mais sequinho. Com sorte, eu podia também ajudar a secar, o que significava pegar a toalha (dele, bem limpinha) e ficar um tempo com ele no colo, devidamente autorizado, fazendo bastante carinho.
Como o Banzé acompanhou a família durante mais de 15 anos e mora no coração de muita gente, voltaremos a ele algumas vezes nesse blog.

Foto: Marcus com o Banzé filhote no colo, em frente à vitrine decorada para crianças das Lojas Renner do Passo D'Areia.

Juarez, amigo e Fotógrafo, trouxe a fotografia para a vida do Marcus




Um dos fatos que vieram a marcar definitivamente as vidas da comunidade foi a abertura da ACM – Associação Cristã de Moços, ali, bem pertinho da gente, na Rua Santa Catarina. Em um primeiro momento, parecia apenas um clube e atraiu a curiosidade de todo mundo ao redor. A primeira na família a desvendar aqueles caminhos e começar a frequentar a ACM, foi a Rose. Empolgada com a novidade, comentou conosco sobre a cancha de esportes, sobre a presença permanente de professores, jogos abertos à comunidade e muita gente circulando por lá para fazer amizades.
A Rose sempre teve esse dom, o de fazer novas amizades com facilidade. Ela ia sempre lá para jogar Ping Pong e fez aquela propaganda. Veio também a notícia de que tinha piscina em algum lugar (que não era bem ali) o que já bastou para aguçar a curiosidade de todo mundo.


O Marcus foi logo em seguida, descobrir aquela coisa nova e bem mais perto do que o nosso querido Centro Comunitário Primeiro de Maio. A ACM abriu as portas na distância de meia quadra da casa da Vó Ecilda. Assim, convencidas as mães da importância do assunto, levamos os papéis e fizemos as carteirinhas da Associação Cristã de Moços, o que nos permitiria participar das atividades e frequentar as instalações, jogar nas canchas e ficar por dentro de tudo o que acontecia ali.
Assim, após a chegada do colégio, tirar o uniforme e comer alguma coisa, era imperativo passar a tarde por lá.
Foi ali que, jogando futebol de uniforme azul e com a meia de jogador até o joelho, a Rose me mostrou pela primeira vez o Juarez. Foi através do lance que rolou entre a Rose e o Juarez que ele veio a conhecer o Marcus e que nasceu uma amizade para a vida toda.
O Juarez trouxe uma nova perspectiva para o Marcus, que era de poucas palavras e sempre fechadão. A partir do jeito dele de ver o mundo, o Marcus amadureceu e aprendeu - e ensinou - coisas novas.


Fotos: Juarez e Marcus brincando de fotografia no contraluz na praia do Gasômetro, em Porto Alegre. Juarez Correa Machado Filho - ACM Zona Norte, julho 2011.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Marinheiro fede muito

Desfile Militar da Independência 2011
Aproveito o 7 de Setembro, a data da comemoração da Independência do Brasil, para contar uma história interessante e engraçada que aconteceu na nossa família.
Era a década de setenta, lá pelos anos 72 ou 73. O regime militar no governo do Brasil já operava desde 1964, endurecido ainda mais a partir do Ato Institucional nº 5, de 1968.
A Independência do Brasil de Portugal, o 7 de Setembro de 1822, era largamente utilizada pelo regime para o ufanismo e o estímulo ao “Ame-o ou deixe-o”, do Oiapoque ao Chuí, especialmente via rede Globo.
Mas, claro, nada disso jamais penetrou no imaginário das famílias, alheios que vivíamos a esses conceitos politizados.

O fato é que ano após ano, nós éramos submetidos à rotina da Semana da Pátria nas Escolas públicas. Batia o sinal e todos formavam as filas por turma. Para organizar a bagunça que se formava ali, as professoras ensinavam – quase sempre aos gritos – que deveríamos esticar o braço direito e tocar no ombro do colega em frente. Esse gesto era o de tirar a distância e era o que se seguia até o(a) primeiro da fila, que, coitado(a,) além de ser o(a) mais baixo(a) da turma, ainda não tinha ninguém na sua frente para cutucar. Ato contínuo, os alunos eram obrigados a cantar o Hino Nacional, a plenos pulmões, desde o Ouviram do Ipiranga até o último Pátria Amada Brasil, todos os dias, no pátio, uniformizados e em fila, no início de cada turno da escola.
Havia ainda mais algumas rotinas, as quais poderiam ter alguma seriedade e civismo para os adultos, só que não tinham nenhum significado para nós: uma delas era a sacrificar as aulas de educação física para ensaiar o desfile escolar na formação militar e, a outra, era a de cuidar o fogo simbólico.
Nos primeiros dias, as aulas sacrificadas eram apenas as de (educação) Física, porém, à medida que o dia do desfile ia se aproximando, vários professores eram convidados a ceder os seus períodos de aula para as repetições das marchas ao redor da quadra do Colégio. Assim, sem a menor alternativa, fazíamos as formações em filas e em colunas, no ritmo repetido do “esquerda-esquerda”, “esquerda-direita-esquerda” até que a aula acabasse, ou que chovesse, ou que algum professor mandasse a gente parar de marchar.
De tudo isso, o que não tinha o menor sentido – mesmo – era o tal de “Fogo Simbólico”. Acontecia de um professor interromper a aula da gente e chamar dois alunos, normalmente um casal, para ficarem parados no pátio, de pé, em posição de sentido, ao lado de um pilar de cimento que tinha uma latinha em cima com fogo dentro. Era isso. Simples assim.
Ali a gente ficava por alguns minutos, às vezes um ou dois períodos inteiros (perdíamos a noção do tempo), sem a menor idéia de o que era aquilo e do por quê de estarmos ali, cuidando aquele negócio. Essa era toda a nossa noção de civismo. Lembro até hoje de nunca ter entendido como eram feitas as escolhas dos alunos, por exemplo, sob qual critério era formadas as duplas e – principalmente – por quanto tempo. Na boa, acho que ninguém da minha geração jamais entendeu isso. Lembro, também, que a gente aprendeu rapidinho que era possível usar aquele tempo todo para conversar bastante com o colega que estava ao lado e que não era nenhum pecado capital se a gente se sentasse enquanto não tinha uma professora olhando...

Saindo da vida escolar, a Semana da Pátria interferia na rotina das famílias também, lógico. Desde meus primeiros anos de vida, nas manhãs do dia 7 de setembro, a gente sentava em frente à TV preto e branco, única da casa - e que tinha lugar de honra no meio da sala, e ficava esperando o desfile militar.

A TV Globo naquela época transmitia tudo, tu-di-nho. O desfile militar nas capitais dos Estados e na cidade de Porto Alegre, também. O mais bonito, claro, era o desfile militar de Brasília, o qual ia muito além das escolas: havia os Dragões da Independência, os soldados do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Todos muito arrumados, muito iguaizinhos, um fascínio. Eu assistia a tudo com uma hipnose típica de criança e só saía dali após o fim da transmissão. Ah, esqueci de dizer que, á noite, no Jornal Nacional, passava a reprise da transmissão e lá iam as crianças para a sala assistir tudo de novo.
Ocorreu que neste ano aí de cima, eu acordei cedo para ver o desfile e a Lena me deixou sozinha para assistir a parada militar e tocou a fazer as tarefas da casa, passando inúmeras vezes pela sala e olhando para mim e para a TV por cima do ombro.
Numa des as idas e vindas para arrumar a casa, a Lena sentiu uma bruta dor de barriga e, creio que a caminho do banheiro, soltou um reconfortante peido, bem malcheiroso, sem dizer absolutamente nada e saiu de fininho, sem ser percebida.
Ao final da transmissão, saí da sala e fui brincar. (Acredito que tenha esperado para assistir ao filme “Independência ou Morte”, com o Tarcísio Meira no papel de Dom Pedro I, que repetia infalivelmente, todas as tardes do feriado de sete de setembro...)
Naquela noite, claro, na hora da reprise no “Jornal Nacional”, a Lena gritou: “Cristina, vem ver o desfile”.
A cena que se seguiu, então, foi inacreditável: eu entrei correndo na sala e olhei direto para a televisão. Parei e fiquei prestando atenção alguns segundos no que se passava, dei meia-volta e saí da sala a passos rápidos. A Lena, acostumada que estava ao meu olhar hiptnotizado para a parada militar, perguntou: “Cristina, tu não vai ver? Vem ver os marinheiro(s) que tu gosta”.
E eu, já de costas, respondi: “Esse não, mãe. Marinheiro fede muito!”

Foto: Transmissão desfile Independência 7 de setembro, Brasília - 2011.
e Marcus na sala de casa com a TV ao fundo, na Rua Julio Verne, 1972.