quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Marinheiro fede muito

Desfile Militar da Independência 2011
Aproveito o 7 de Setembro, a data da comemoração da Independência do Brasil, para contar uma história interessante e engraçada que aconteceu na nossa família.
Era a década de setenta, lá pelos anos 72 ou 73. O regime militar no governo do Brasil já operava desde 1964, endurecido ainda mais a partir do Ato Institucional nº 5, de 1968.
A Independência do Brasil de Portugal, o 7 de Setembro de 1822, era largamente utilizada pelo regime para o ufanismo e o estímulo ao “Ame-o ou deixe-o”, do Oiapoque ao Chuí, especialmente via rede Globo.
Mas, claro, nada disso jamais penetrou no imaginário das famílias, alheios que vivíamos a esses conceitos politizados.

O fato é que ano após ano, nós éramos submetidos à rotina da Semana da Pátria nas Escolas públicas. Batia o sinal e todos formavam as filas por turma. Para organizar a bagunça que se formava ali, as professoras ensinavam – quase sempre aos gritos – que deveríamos esticar o braço direito e tocar no ombro do colega em frente. Esse gesto era o de tirar a distância e era o que se seguia até o(a) primeiro da fila, que, coitado(a,) além de ser o(a) mais baixo(a) da turma, ainda não tinha ninguém na sua frente para cutucar. Ato contínuo, os alunos eram obrigados a cantar o Hino Nacional, a plenos pulmões, desde o Ouviram do Ipiranga até o último Pátria Amada Brasil, todos os dias, no pátio, uniformizados e em fila, no início de cada turno da escola.
Havia ainda mais algumas rotinas, as quais poderiam ter alguma seriedade e civismo para os adultos, só que não tinham nenhum significado para nós: uma delas era a sacrificar as aulas de educação física para ensaiar o desfile escolar na formação militar e, a outra, era a de cuidar o fogo simbólico.
Nos primeiros dias, as aulas sacrificadas eram apenas as de (educação) Física, porém, à medida que o dia do desfile ia se aproximando, vários professores eram convidados a ceder os seus períodos de aula para as repetições das marchas ao redor da quadra do Colégio. Assim, sem a menor alternativa, fazíamos as formações em filas e em colunas, no ritmo repetido do “esquerda-esquerda”, “esquerda-direita-esquerda” até que a aula acabasse, ou que chovesse, ou que algum professor mandasse a gente parar de marchar.
De tudo isso, o que não tinha o menor sentido – mesmo – era o tal de “Fogo Simbólico”. Acontecia de um professor interromper a aula da gente e chamar dois alunos, normalmente um casal, para ficarem parados no pátio, de pé, em posição de sentido, ao lado de um pilar de cimento que tinha uma latinha em cima com fogo dentro. Era isso. Simples assim.
Ali a gente ficava por alguns minutos, às vezes um ou dois períodos inteiros (perdíamos a noção do tempo), sem a menor idéia de o que era aquilo e do por quê de estarmos ali, cuidando aquele negócio. Essa era toda a nossa noção de civismo. Lembro até hoje de nunca ter entendido como eram feitas as escolhas dos alunos, por exemplo, sob qual critério era formadas as duplas e – principalmente – por quanto tempo. Na boa, acho que ninguém da minha geração jamais entendeu isso. Lembro, também, que a gente aprendeu rapidinho que era possível usar aquele tempo todo para conversar bastante com o colega que estava ao lado e que não era nenhum pecado capital se a gente se sentasse enquanto não tinha uma professora olhando...

Saindo da vida escolar, a Semana da Pátria interferia na rotina das famílias também, lógico. Desde meus primeiros anos de vida, nas manhãs do dia 7 de setembro, a gente sentava em frente à TV preto e branco, única da casa - e que tinha lugar de honra no meio da sala, e ficava esperando o desfile militar.

A TV Globo naquela época transmitia tudo, tu-di-nho. O desfile militar nas capitais dos Estados e na cidade de Porto Alegre, também. O mais bonito, claro, era o desfile militar de Brasília, o qual ia muito além das escolas: havia os Dragões da Independência, os soldados do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Todos muito arrumados, muito iguaizinhos, um fascínio. Eu assistia a tudo com uma hipnose típica de criança e só saía dali após o fim da transmissão. Ah, esqueci de dizer que, á noite, no Jornal Nacional, passava a reprise da transmissão e lá iam as crianças para a sala assistir tudo de novo.
Ocorreu que neste ano aí de cima, eu acordei cedo para ver o desfile e a Lena me deixou sozinha para assistir a parada militar e tocou a fazer as tarefas da casa, passando inúmeras vezes pela sala e olhando para mim e para a TV por cima do ombro.
Numa des as idas e vindas para arrumar a casa, a Lena sentiu uma bruta dor de barriga e, creio que a caminho do banheiro, soltou um reconfortante peido, bem malcheiroso, sem dizer absolutamente nada e saiu de fininho, sem ser percebida.
Ao final da transmissão, saí da sala e fui brincar. (Acredito que tenha esperado para assistir ao filme “Independência ou Morte”, com o Tarcísio Meira no papel de Dom Pedro I, que repetia infalivelmente, todas as tardes do feriado de sete de setembro...)
Naquela noite, claro, na hora da reprise no “Jornal Nacional”, a Lena gritou: “Cristina, vem ver o desfile”.
A cena que se seguiu, então, foi inacreditável: eu entrei correndo na sala e olhei direto para a televisão. Parei e fiquei prestando atenção alguns segundos no que se passava, dei meia-volta e saí da sala a passos rápidos. A Lena, acostumada que estava ao meu olhar hiptnotizado para a parada militar, perguntou: “Cristina, tu não vai ver? Vem ver os marinheiro(s) que tu gosta”.
E eu, já de costas, respondi: “Esse não, mãe. Marinheiro fede muito!”

Foto: Transmissão desfile Independência 7 de setembro, Brasília - 2011.
e Marcus na sala de casa com a TV ao fundo, na Rua Julio Verne, 1972.

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